domingo, 29 de maio de 2011

Diário do aprendiz - 29 de maio de 2011


Sentir a vida leve como um pássaro nas mãos

~

I - Eu Nunca Guardei Rebanhos

Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.

Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.

Como um ruído de chocalhos
Para além da curva da estrada,
Os meus pensamentos são contentes.
Só tenho pena de saber que eles são contentes,
Porque, se o não soubesse,
Em vez de serem contentes e tristes,
Seriam alegres e contentes.

Pensar incomoda como andar à chuva
Quando o vento cresce e parece que chove mais.
Não tenho ambições nem desejos
Ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sozinho.

E se desejo às vezes,
Por imaginar, ser cordeirinho
(Ou ser o rebanho todo
Para andar espalhado por toda a encosta
A ser muita cousa feliz ao mesmo tempo),
É só porque sinto o que escrevo ao pôr do sol,
Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.

Quando me sento a escrever versos
Ou, passeando pelos caminhos ou pelos atalhos,
Escrevo versos num papel que está no meu pensamento,
Sinto um cajado nas mãos
E vejo um recorte de mim
No cimo dum outeiro,
Olhando para o meu rebanho e vendo as minhas ideias,
Ou olhando para as minhas ideias e vendo o meu rebanho,
E sorrindo vagamente como quem não compreende o que se diz
E quer fingir que compreende.

Saúdo todos os que me lerem,
Tirando-lhes o chapéu largo
Quando me veem à minha porta
Mal a diligência levanta no cimo do outeiro.
Saúdo-os e desejo-lhes sol,
E chuva, quando a chuva é precisa,
E que as suas casas tenham
Ao pé duma janela aberta
Uma cadeira predileta
Onde se sentem, lendo os meus versos.
E ao lerem os meus versos pensem
Que sou qualquer cousa natural —
Por exemplo, a árvore antiga
À sombra da qual quando crianças
Se sentavam com um baque, cansados de brincar,
E limpavam o suor da testa quente
Com a manga do bibe riscado.


~

É bom reencontrar a poesia de Alberto Caeiro depois de dias afastado. Por isso, decidi transcrever O guardador de rebanhos, sua obra-prima, pouco a pouco. E este não é um blog que homenageia o poeta? Pois bem, deste modo continuo a homenagem.

Foi só escrever o último post, e mergulhei numa sequência de cinco ou seis dias sem meditar. É difícil entender isso, e só posso explicar pelo fato de ser um iniciante na prática da meditação. Ora, todo começo é mais lento, sujeito a algumas paradas, como se algo no íntimo ainda perguntasse: “será que realmente quero isso?” E não importa o quanto se acredite na importância de um determinado plano. (Estou me referindo ao que escrevi na postagem anterior, e que sumariamente ignorei logo em seguida.) Como fazemos na meditação, ao perceber que os pensamentos insistem em ocupar a mente, é preciso respirar fundo e focalizar a atenção mais uma vez no objetivo, voltando a persegui-lo. Fiz isso na última semana do mês, e nesse momento posso dizer que estou novamente “em marcha”.

E como foram as meditações? Não há muito o que dizer, na verdade. Inclusive, confesso que isso me causa uma certa preocupação, no que se refere ao blog. Um blog é feito de postagens, e não sei exatamente o que dizer de novo sobre a meditação. Mais do que isso, parece-me um tanto errado escrever muito sobre a experiência de meditar. Afinal, esta prática visa tornar a mente mais livre dos pensamentos, e escrever é um modo de alimentá-los. Por isso, não quero ficar me preocupando com o que vou escrever aqui.

Quero fazer deste blog uma oportunidade para divulgar algumas belas imagens, alguns textos inspiradores (começando pelo poema de Caeiro, e depois seguindo com outras coisas que aparecerem pelo caminho), e uns poucos comentários de minha parte. De resto, o que cumpre fazer é persistir na prática da meditação – só isso, e tudo isso.

Nota:

Imagem do documentário No journey´s end [Viagem sem fim], de 2006.