quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Diário do aprendiz – 29 de fevereiro de 2012


Continuar, sempre

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XV - As Quatro Canções

As quatro canções que seguem
Separam-se de tudo o que eu penso,
Mentem a tudo o que eu sinto,
São o contrário do que eu sou...

Escrevi-as estando doente
E por isso elas são naturais
E concordam com aquilo que sinto,
Concordam com aquilo com que não concordam...
Estando doente devo pensar o contrário
Do que penso quando estou são
(Senão não estaria doente),
Devo sentir o contrário do que sinto
Quando sou eu na saúde,
Devo mentir à minha natureza
De criatura que sente de certa maneira...
Devo ser todo doente — ideias e tudo.
Quando estou doente, não estou doente para outra cousa.

Por isso essas canções que me renegam
Não são capazes de me renegar
E são a paisagem da minha alma de noite,
A mesma ao contrário...

XVI - Quem me Dera

Quem me dera que a minha vida fosse um carro de bois
Que vem a chiar, manhãzinha cedo, pela estrada,
E que para de onde veio volta depois
Quase à noitinha pela mesma estrada.

Eu não tinha que ter esperanças — tinha só que ter rodas...
A minha velhice não tinha rugas nem cabelo branco...
Quando eu já não servia, tiravam-me as rodas
E eu ficava virado e partido no fundo de um barranco.

XVII - No meu Prato

No meu prato que mistura de Natureza!
As minhas irmãs as plantas,
As companheiras das fontes, as santas
A quem ninguém reza...

E cortam-nas e vêm à nossa mesa
E nos hotéis os hóspedes ruidosos,
Que chegam com correias tendo mantas,
Pedem "salada", descuidosos...

Sem pensar que exigem à Terra-Mãe
A sua frescura e os seus filhos primeiros,
As primeiras verdes palavras que ela tem,
As primeiras cousas vivas e irisantes
Que Noé viu
Quando as águas desceram e o cimo dos montes
Verde e alagado surgiu
E no ar por onde a pomba apareceu
O arco-íris se esbateu...

XVIII - Quem me Dera que eu Fosse o Pó da Estrada

Quem me dera que eu fosse o pó da estrada
E que os pés dos pobres me estivessem pisando...

Quem me dera que eu fosse os rios que correm
E que as lavadeiras estivessem à minha beira...

Quem me dera que eu fosse os choupos à margem do rio
E tivesse só o céu por cima e a água por baixo...
Quem me dera que eu fosse o burro do moleiro
E que ele me batesse e me estimasse...

Antes isso que ser o que atravessa a vida
Olhando para trás de si e tendo pena...

XIX - O Luar

O luar quando bate na relva
Não sei que cousas me lembra...
Lembra-me a voz da criada velha
Contando-me contos de fadas.
E de como Nossa Senhora vestida de mendiga
Andava à noite nas estradas
Socorrendo as crianças maltratadas...

Se eu já não posso crer que isso é verdade,
Para que bate o luar na relva?


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Resumo do livro
A arte da meditação: um guia para a meditação,
de Daniel Goleman1

Apresentação

Daniel Goleman é um psicólogo norte-americano que se tornou mundialmente conhecido com a publicação de sua obra Inteligência emocional, considerada uma abordagem inovadora das relações entre pensamento e sentimento. Desde o começo da década de 1970, também realiza pesquisas sobre meditação e seu impacto na saúde humana.

O livro A arte da meditação: uma guia para a meditação é um manual introdutório que visa descrever em termos básicos essa prática e seus efeitos. O autor começa descrevendo sua experiência pessoal como meditador, em seguida relata os principais estudos científicos que têm sido realizados sobre a meditação e seus benefícios, depois comenta uma variedade de escolas de meditação, e por fim fornece instruções práticas relativas a seis maneiras de meditar. (Duas são apenas descritas no livro; quatro também podem ser exercitadas com apoio de um CD que vem incluso.) O conjunto dessas informações, embora evidentemente seja apenas uma amostra do que já sabe sobre meditação, é suficiente para indicar que se trata de uma atividade consagrada não apenas pelo costume, mas também pela ciência, e que pode ser tão agradável quanto benéfica em numerosos sentidos.

Este texto é um resumo muito breve do livro. Está organizado em quatro tópicos, que abrangem as questões mencionadas acima, ou seja:

1. experiência pessoal do autor;
2. pesquisas científicas sobre meditação e saúde;
3. escolas de meditação;
4. seis formas de meditar.

1.
Experiência pessoal do autor

Na década de 1970, Daniel Goleman já havia realizado diversos estudos sobre meditação e seus benefícios para a saúde, e tinha o hábito de meditar durante vinte minutos todo dia. Entretanto, é sincero em confessar que, com frequência, não conservava a serenidade ensinada pelo exercício da meditação, deixando-se afetar pelas preocupações do cotidiano, o que acabou resultando numa tendência ao aumento de sua pressão sanguínea.

Para enfrentar esse problema, decidiu fazer um retiro num acampamento organizado por um instrutor birmanês, no estado norte-americano do Arizona. Ali, experimentou uma intensa disciplina de meditação, que consistia em dedicar todos os momentos do dia a essa prática, por meio de contínua observação da própria mente, do próprio corpo, e também de longas sessões em que meditava sentado ou caminhando. O objetivo determinado pelo instrutor era manter o foco incessantemente na respiração, o que logo permitia identificar cada pequena mudança em seu fluxo, revelando assim a própria dinâmica emocional. Naquele período, Goleman verificou em si mesmo o que diversos estudos já haviam indicado: a capacidade da meditação de controlar o problema da hipertensão sanguínea. Desde então, estabeleceu o hábito de meditar durante uma hora todas as manhãs, e, na época em que escrevia o livro abordado aqui, fazia planos de repetir a experiência no retiro pela terceira vez.

2.
Pesquisas científicas sobre meditação e saúde

O autor conta que, no início da década de 1970, a meditação ainda era encarada no Ocidente como um assunto exótico, havendo muito ceticismo na comunidade médica quanto à possibilidade de essa prática beneficiar o organismo. Porém, em uns poucos anos, houve uma mudança nessa atitude e os estudos sobre meditação e saúde se multiplicaram, constatando que o hábito de meditar pode ser uma excelente complementação ou até mesmo desempenhar papel decisivo no tratamento de diversas doenças.

Foi nesse período, e a respeito desse tema, que Goleman elaborou sua tese de doutorado. Essa tarefa incluiu uma viagem para a Índia, onde conheceu iogues hindus, lamas tibetanos, monges budistas e outros estudiosos da espiritualidade, indivíduos que tinham pouca coisa em comum além do fato de se beneficiarem imensamente com a meditação. A pesquisa para a tese incluiu também estudos sobre estresse com voluntários, comprovando o auxílio que a meditação proporciona no controle das tensões. Segundo Goleman, o grande problema relacionado ao estresse é que, quando experimentado seguidamente, acaba deixando o organismo em constante estado de alerta, impedindo que se recupere após cada episódio estressante e tornando mais difícil que enfrente de modo adequado os episódios que se seguirem. Porém, a meditação, em indivíduos que a praticam de forma regular ou mesmo que só recentemente começaram a praticá-la, capacita-os a serem menos afetados por perturbações e a se recuperarem mais depressa.

E o autor cita uma variedade de estudos que comprovaram o potencial da meditação de promover a saúde. Com essa base, o Instituto Nacional de Saúde e outras instituições importantes recomendam que a meditação seja praticada como tratamento inicial de diversas doenças (associada, de preferência, a outros cuidados, como adoção de uma dieta natural e prática de yoga), e que só se recorra a remédios nos casos em que se mostre insuficiente para resolver o problema. Goleman comenta, mais especificamente, os benefícios da meditação na psicoterapia, ressalvando que apenas em uns poucos casos – por exemplo, de esquizofrênicos e obsessivo-compulsivos –, o estado de intensa concentração que induz pode ter efeitos negativos, de modo que talvez seja bom evitá-la.

3.
Escolas de meditação

O objetivo da meditação, afirma Daniel Goleman, é fortalecer a capacidade da mente de prestar atenção. (É o que a diferencia do relaxamento, que tem por finalidade permitir que a mente se desligue de tudo.) Existem diversas escolas de meditação, e todas compartilham esse mesmo objetivo, porém se diferenciam de várias maneiras. Sistemas como o zen, o budismo tibetano, a cabala, a meditação transcendental, a kundalini yoga, e ainda autores como Gurdjieff e Krishnamurti, possuem cada um uma proposta, encarando de maneira particular questões como, p.ex., a importância de se associar a um grupo e seguir um mestre, ou ainda a necessidade de aplicar uma técnica.

As escolas se diferenciam, basicamente, pela maneira como ensinam a desenvolver a atenção. O autor explica que há dois métodos essenciais: um, a concentração, que consiste em fixar a mente num objeto fixo, e outro, o “estado consciente”, que consiste na observação de si próprio, tendo em vista cultivar o autoconhecimento. Entretanto, poucas abordagens focalizam apenas uma ou outra maneira de proceder, pois a maioria as combina, ajustando-se assim à personalidade e às necessidades dos praticantes.

Goleman observa que cada cultura e cada indivíduo tem sua própria maneira de entender a meditação; assim, embora a experiência de meditar seja, em sua essência, a mesma para todo mundo, ela adquire significados diferentes conforme as crenças e os valores individuais. E no final das contas, é este significado que determina a maneira como uma pessoa interpreta e avalia a sua prática e o seu progresso.

4.
Seis formas de meditar

Nos capítulos finais, o autor ensina seis métodos, sugerindo que o leitor experimente cada um deles por algumas semanas e então escolha aquele(s) que melhor se ajuste(m) ao seu temperamento. Propõe que o leitor comece com sessões de dez a quinze minutos, e aos poucos vá aumentando o tempo. Neste período inicial, é importante ter uma atitude descontraída, não se deixando aborrecer pelas dificuldades em manter a concentração, que são comuns e tendem a diminuir com a prática.

Os métodos consistem em: 1) concentração na respiração, 2) relaxamento progressivo do corpo, 3) concentração num objeto fixo, 4) concentração durante a caminhada, 5) canto de mantras e 6) alimentação consciente. Goleman faz alguns comentários sobre cada método e a maneira mais correta de praticá-lo. Como foi mencionado anteriormente, para a prática dos quatro primeiros tipos de meditação, há também um CD com orientações, sendo duas faixas acompanhadas por música e duas apenas com a voz do autor.

Referência:

Goleman, Daniel. A arte da meditação: um guia para a meditação. Tradução: Domingos DeMasi. Rio de Janeiro: Sextante, 1999.

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As meditações até aqui

Acho que estou mesmo consolidando o hábito de meditar. Nestas últimas semanas, houve apenas alguns dias em que me esqueci da prática – mas compensei aumentando o tempo em sessões posteriores. A ideia que tive, no começo deste ano, foi realizar duas sessões por dia, cada uma com quinze minutos. Mas concluí que uma única sessão de meia hora é melhor – mais prático e mais interessante. Ainda não posso dizer que tenho meditado maravilhosamente; ao contrário, continuo com uma tendência a dispersar-me. Na verdade, descobri que sentar-me quieto por algum tempo, com o fim de meditar, é uma ótima oportunidade para refletir um pouco sobre a vida e até descobrir soluções para quaisquer problemas com que estiver lidando.

Por esse motivo, foi durante uma sessão, há poucos dias, que me ocorreu que preciso simplificar as postagens deste blog. As mais recentes foram bastante trabalhosas e exigiram um tempo que tenho que dedicar a outras atividades. (P.ex., leituras sobre os temas que abordo no blog Sencientismo, e ainda estudos para outros fins.) Continuarei lendo sobre meditação, mas não escreverei mais resumos de livros. Nem me cobrarei novos poemas ou textos examinando o significado de meditar (questão sobre a qual conheço demasiadamente pouco). Não me proibirei de escrever essas coisas, mas agora meu objetivo será mais simples. Lembro que criei o blog como um espaço onde poderia apenas espairecer, e vou recuperar esse plano.

Enfim, foi o que pensei enquanto meditava!

Nota:

Imagem por Tim Green aka atoach.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

Diário do aprendiz – 15 de fevereiro de 2012


Tocar as cores

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XIV - Não me Importo com as Rimas

Não me importo com as rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
Mas com menos perfeição no meu modo de exprimir-me
Porque me falta a simplicidade divina
De ser todo só o meu exterior.

Olho e comovo-me,
Comovo-me como a água corre quando o chão é inclinado,
E a minha poesia é natural corno o levantar-se vento...


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Acredito que existe
Uma crença bastante difundida
De que a natureza humana
Não foi feita para ser entendida
E muito menos moldada.
É como se, em se tratando disso,
Houvesse um processo coletivo
De “desesperança aprendida”.1
A ideia de que, sim, podemos mudar,
Mas sempre dentro de limites
Excessivamente estreitos.
E tudo isso porque todos nós
Percebemos estarrecidos a cada dia
O quão facilmente nosso íntimo,
Movido por impulsos mais fortes
Do que a nossa vontade,
Deixa de ser paz e se converte em dor,
Deixa de ser calmaria e irrompe
Em tempestade.

Claro, por “natureza humana”
Não me refiro às camadas
Mais superficiais de nosso ser,
Aquela dimensão constituída
Pelos pensamentos e sentimentos
Que, embora nunca totalmente,
Ainda conseguimos manter
Sob o nosso controle.
Ou seja, não falo do intelecto
Com seu mecanismo de relógio
E como tal formado também por peças
Que são as palavras e as ideias,
E que sempre podemos reordenar
Fazendo uso da razão.
Tampouco falo daquelas emoções
Que aprendemos a manejar,
Obrigando que se calem quando preciso
E deixando que se manifestem
Quando apropriado.
Tudo isso é a porção de nós
Que imprime ordem em nossas vidas,
São os aspectos da natureza humana
Que tornam possível a civilização.
Mas, como foi dito,
Por baixo deste solo arado
Correm forças selvagens
E que tantas vezes são responsáveis
Pela nossa paz ou pelo
Nosso tormento.

Por “natureza humana” refiro-me
À dimensão mais profunda de nosso ser
E que considero, com todas as suas falhas,
A nossa porção mais verdadeira –
O inconsciente que Freud descobriu
E que, por séculos, procuramos ignorar
Enquanto nos enganávamos
Julgando termos uma capacidade sem fim
De iluminarmos cada volta do caminho
Seguido por nossa mente
E nosso coração.
Sim, o inconsciente que, despreocupado
Com toda essa arrogância,
Seguiu em sua marcha, construindo
E destruindo,
Por meio destes impulsos e desejos
Que todo dia, de diversas formas,
Fazem-nos descobrir que a razão
É ainda tão fraca em nós.

Daí a crença que mencionei no início,
De que, apesar de todo o nosso esforço,
Só podemos entender a nós mesmos
Em certa medida,
E só podemos decidir quem somos
Até certo ponto.
Crença que, eu suspeito, nos persegue
Mesmo quando lemos best-sellers de autoajuda,
E visitamos consultórios de psicoterapeutas,
E fazemos preces em igrejas.

Pois bem, eu não poderia aqui
Desmentir a força dos desejos e impulsos
Mais profundos de nosso ser.
Mas recuso-me a admitir que a paz seja obra
De nada mais do que o acaso,
Chamemo-lo de “inconsciente” ou
Do que quisermos chamá-lo.
Não; a paz, embora nunca possa ser cultivada
Da mesma forma como manejamos
Certas ideias e certas emoções,
Pode ser, apesar de todas as dificuldades,
Produzida em nossa mente –
Somos capazes de, em alguma medida,
Moldar a nossa mente,
E não só no nível mais superficial,
Mas influenciando até mesmo
O inconsciente.
Como?
Aos leitores, sugiro que, daqui por diante,
Procurem reservar algum tempo
Para conhecer o material cada vez mais vasto
Que cientistas e outros investigadores
Têm produzido sobre o fenômeno
Da meditação.2

Talvez não possamos conquistar a paz
 De uma hora para outra.
Mas precisamos superar esta ideia,
Que se tornou lugar-comum,
De que seremos sempre, no máximo
Com pequenas mudanças,
Aquilo que somos hoje.
Cabe a nós exercitar a paz,
Estabelecendo em nossos dias
O hábito da meditação,
Dando tempo para que cicatrizem
As nossas feridas,
E continuando até isso ocorrer.
Sim: persistindo enquanto
For preciso persistir.

Notas:

1. A “desesperança aprendida” é um problema psicológico verificado quando um indivíduo se vê submetido a pressões persistentes, sem que consiga fazer nada para enfrentá-las, de modo que acaba acreditando que é impossível vencê-las e passa a aceitar essa situação como um fato definitivo. Leia mais.

2. A Wikipédia tem uma página sobre meditação com informações básicas e links para aprofundar a leitura. E no You Tube há um interessante vídeo sobre meditação e os efeitos que pode produzir no cérebro.

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As meditações até aqui

As meditações não têm sido muito fáceis nem muito boas; o maior mérito que tive até aqui foi ter mantido uma prática regular - de fato, agora não me lembro de ter perdido qualquer sessão. Considerando que, há algum tempo, eu costumava perder sessões com frequência, este foi um progresso e tanto. A questão agora é aprender a meditar melhor; venho sentindo uma grande vontade de fazer isso, mas ainda resta eu me decidir mais claramente neste sentido. E, claro, descobrir como fazê-lo. Ah, se fosse possível progredir na meditação como é possível progredir num estudo! Mas, obter informações consiste, em boa medida, num processo mecânico, que pode ser direcionado, enquanto meditar é o oposto disso. Eis porque a meditação é tão especial e também tão difícil.  

Nota:

Imagem por g_kovacs