quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Diário do aprendiz – 29 de setembro de 2011


Exercitar novos olhares

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IX - Sou um Guardador de Rebanhos

Sou um guardador de rebanhos.
O rebanho é os meus pensamentos
E os meus pensamentos são todos sensações.
Penso com os olhos e com os ouvidos
E com as mãos e os pés
E com o nariz e a boca.

Pensar uma flor é vê-la e cheirá-la
E comer um fruto é saber-lhe o sentido.

Por isso quando num dia de calor
Me sinto triste de gozá-lo tanto,
E me deito ao comprido na erva,
E fecho os olhos quentes,
Sinto todo o meu corpo deitado na realidade,
Sei a verdade e sou feliz.


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As meditações até aqui

15 de setembro de 2011

1ª sessão – Passei alguns dias sem meditar. Hoje, sentei-me na posição correta – pés plantados no chão, mãos sobre os joelhos, coluna ereta – e concentrei-me. Ao invés de focalizar a mente, tentando mantê-la quieta, atentei para a respiração. Procurei seguir cada instante do processo, percebendo o movimento do corpo, o som que fazia. E não é que deu certo? De repente, senti aquele esvaziar gostoso da mente – algo ainda limitado, mas mesmo assim compensador. A sensação foi momentânea, e os pensamentos continuaram aparecendo, mas posso dizer que meditei um pouco. Decidi que o tempo será de vinte minutos, duas vezes por dia. Menos intenso, mas mais factível.

A partir de hoje, farei anotações diárias como uma forma de disciplinar-me mais. Os relatos não serão sempre longos como este. Apenas algumas impressões sobre o desenrolar de cada sessão. Em todo caso, espero que haja surpresas...

2 ª sessão – Logo depois da janta. Será uma hora inapropriada? Senti-me pesado, com mais dificuldade para me concentrar. Bem, talvez só tenha comido demais.

Segui outra vez o método de observar a respiração, mas houve muitos momentos em que fiquei disperso. Mesmo assim, foi melhor do que nas ocasiões em que tentei controlar a mente. O segredo é “esquecer” os pensamentos, e não enfrentá-los.

Esse tempo de vinte minutos está me parecendo ideal. Passa depressa, e por isso não deve ser desperdiçado. Ou me concentro logo, ou... a chance se vai!

16 de setembro de 2011

1ª sessão – Nos primeiros dez minutos, os pensamentos insistiram em aparecer, e quase esqueci de observar a respiração. Mas enfim reagi e por algum tempo a mente permaneceu mais quieta.

Acordei já pensando em tudo que preciso fazer, e isso dificultou um pouco.

Tempo: 20 min.

2ª sessão – Comecei, daí fui interrompido por um telefonema. Foi bom, porque eu estava muito desconcentrado. Comecei de novo, e então funcionou melhor. Não consegui me livrar de todos os pensamentos – seria querer muito... Mas, entrei num estado mais sereno.

Ao menos, aproximei-me do estado de meditação. É alguma coisa.

Tempo: 20 min.

17 de setembro de 2011

1ª sessão – Foi uma sessão muito irregular. Em alguns momentos, perdi bastante a concentração. Porém, em outros a mente ficou mais vazia. Havia ruídos persistentes em meu redor, e isso causou alguma dificuldade.

Concentrar-me na respiração não é tão simples assim. Digo, o método funciona, desde que eu me lembre de praticá-lo! Só que esqueço...

Tempo: 20 min.

2ª sessão – Sessão interrompida pelo telefone. Faltavam apenas dois minutos, então a perda não foi tanta. Além de concentrar-me na respiração, tentei visualizar uma luz brilhante em minha frente e imaginar um som tranquilo (qualquer coisa natural: correr de um rio, canto de pássaros – tudo está valendo!). Não resta dúvida de que isso ajuda, mas a dificuldade continua a mesma: depois de alguns momentos, a atenção se dispersa. O importante é que, quando estou concentrado, a mente fica bem mais vazia, embora sempre permaneça algum “ruído de fundo”. Esse esvaziar, ainda que parcial, é suficiente para fazer com que a sessão valha a pena.

Quero continuar meditando, sempre. Mesmo que nunca me aprofunde além de certo ponto, o que consigo alcançar agora já compensa o esforço.

Tempo: 18 min.

19 de setembro de 2011

1ª sessão – A sessão passou rápido. E não me concentrei nem um único instante!

Tempo: 20 min.

2ª sessão – É, o tempo voa mesmo! Desta vez, concentrei-me um pouco mais. Mesmo assim, esta sessão foi muito imperfeita. Em parte, tenho um motivo: nos últimos dias, algumas coisas tem me preocupado, e tudo isso tende a aparecer quando sento para meditar.

Mas sempre resta alguma margem de escolha, e parece que em algumas ocasiões simplesmente não quero meditar. Talvez seja apenas uma dificuldade para esquecer as preocupações, que se verifica em certos dias. De qualquer modo, é curioso.

Tempo: 20 min.

20 de setembro de 2011

1ª sessão – Logo depois de acordar. Não é muito fácil, com a mente recém-saída do sono. Mas, a sessão foi boa. No final, eu estava bem mais acordado!

Tempo: 20 min.

2ª sessão – Apenas sentei-me e diminuí o ritmo dos pensamentos. A mente insistiu em pensar sobre os “assuntos do momento”. Inclusive, em ocasiões assim surgem boas ideias sobre coisas que precisam ser feitas etc. Mas o ideal seria meditar!

Tempo: 20 min.

21 de setembro de 2011

1ª sessão – Muito barulho nas proximidades. Em metade da sessão, concentrei-me pouco. Porém, na parte final, a mente se aquietou mais. Quando o despertador tocou, estava bem mais tranquila.

Não sei se posso chamar esse estado de meditação. É a meditação que esteve em meu alcance. Por agora...

Tempo: 20 min.

2ª sessão – É ótimo fazer uma sessão antes de dormir!

Tempo: 20 min.

22 de setembro de 2011

1ª sessão – Fiz uma primeira tentativa, que não deu certo. Os pensamentos não cessavam! Daí, recomecei... e dessa vez funcionou. Por vários minutos, a mente insistiu em se agitar, mas enfim relaxou... Concentrei-me na respiração, na própria calma resultante disso, e consegui até mesmo “absorver” algumas distrações – latido de cachorros, outros ruídos que ocorriam nas proximidades. É possível, em alguma medida, “observar” tudo isso, tornando-o parte da quietude interior, e assim conseguir preservá-la. Ao menos, um pouco.

Curioso... Frequentemente, é nos últimos minutos que a mente fica mais silenciosa – e aí o despertador toca e a sessão chega ao fim. Mas, o tempo está perfeito; não pretendo aumentá-lo tão cedo, embora ocasionalmente isso possa acontecer.

Tempo: 20 min.

2ª sessão – Desta vez, pensamentos se sucederam sem parar. Mas, bastante vagos, fugidios. Não procurei contê-los – preferi curtir essa relativa calma.

Revendo as anotações anteriores, percebo como os dias passam depressa. Muitos já houve em que simplesmente esqueci-me de praticar. Este diário tem ajudado com a disciplina... Começá-lo foi uma grande ideia.

E, para minha surpresa, sempre há algo a escrever!

Tempo: 20 min.

23 de setembro de 2011

1ª sessão – No primeiro instante, uma onda de silêncio invadiu a mente. Depois, os pensamentos surgiram e comecei a me dispersar. Em certa altura, no entanto, decidi que não gostaria de perder essa sessão, e concentrei-me outra vez. O silêncio voltou, e com ele uma sensação de vazio dentro do cérebro.

É interessante como o ato de cessar (ou reduzir) os pensamentos pode ter um efeito físico desse tipo. Em parte, isso é compreensível, pois quando o corpo relaxa sempre se experimenta um bem-estar. Mas, o cérebro não é exatamente um músculo, não é? De qualquer modo, talvez isso apenas revele a ligação entre corpo e mente – que é bastante óbvia, mas nunca parece algo simples de explicar.

Tempo: 20 min.

2ª sessão – Passei a sessão inteira com imagens “pipocando” na cachola. Nada muito definido, nem muito duradouro. Embora eu tenha controlado um pouco, não consegui acabar de vez com o movimento, que simplesmente continuou.

Será que as sessões podem produzir um efeito cumulativo? Isto é, será que algum dia descobrirei que silenciar a mente ficou fácil? Seria bom...

Tempo: 20 min.

24 de setembro de 2011

Sessão única – Programei o despertador para tocar em vinte minutos. Mas, no final, estava tão agradável que decidi continuar por mais vinte minutos. Acabou sendo uma sessão só.

Não comecei lá muito bem. Mas, em certo momento, a mente se apaziguou, e experimentei outra vez aquela ligeira “pressão” na altura do que os indianos chamam de “Sexto Chakra”. Talvez isso até exista, mas certamente não estou chegando a esse ponto! Como escrevi antes, trata-se apenas de um resultado físico do acalmar da mente.

(Tampouco medito para produzir essa sensação. Bem, na verdade, tento produzi-la sim – mas apenas por ser um bom “termômetro” da concentração.)

Na segunda metade do tempo, fiquei bastante relaxado, embora alguns pensamentos aparecessem ocasionalmente. Parece-me que o vazio da mente vem e vai, num ciclo que se repete várias vezes em cada sessão. O negócio é permanecer atento e tentar curtir cada instante desse vazio, quando ele acontece.

Não foi uma sessão perfeita... mas foi ótima.

Tempo: 40 min.

25 de setembro de 2011

1ª sessão – Fiz uma sessão com muito barulho em volta. Ainda assim, mantive uma concentração razoável. Ou melhor, consegui manter a desconcentração dentro de certos limites! Sinto ainda alguns vestígios da sessão de ontem... mas isso pode ser apenas imaginação minha.

Tempo: 20 min.

2ª sessão – Terminei esta sessão depois de meia-noite. E não foi nem um pouco satisfatória. Curioso: meditar bem cedo às vezes é difícil porque a mente insiste em pensar em todos os compromissos que há para o dia; e meditar bem tarde às vezes é difícil porque a mente insiste em lembrar de tudo que aconteceu durante o dia.

Será que a solução é meditar na hora do almoço?!

Tempo: 20 min.

26 de setembro de 2011

1ª sessão – Outra vez, não foi fácil me concentrar. Foi melhor do que ontem à noite, mas... novamente, não posso dizer que meditei. É uma pena!

O problema todo é que demoro a concentrar-me na respiração. Sempre são necessários alguns minutos para relaxar. Não devia ser assim...

Tempo: 20 min.

2ª sessão – Finalmente! Foi uma sessão bem calma – apesar dos cachorros, que inventaram de latir por vários minutos. Cada pensamento que aparecia era imediatamente cessado. Claro, eles tentaram aparecer diversas vezes, e de resto um “ruído de fundo” continuou o tempo todo. Há pensamentos superficiais, mais fáceis de conter, e outros sutis, que se desenvolvem de forma quase imperceptível. Esses parecem ceder apenas com certo esforço. E infelizmente, só desaparecem por alguns instantes.

Fonte: 20 min.

27 de setembro de 2011

1ª sessão – Tive que tentar duas vezes. Na segunda, “engrenei”. Ficou longe de perfeito, mas houve diversos momentos em que me concentrei.

Tempo: 20 min.

2ª sessão – Uma ótima sessão, terminada depois de meia-noite. Desta vez, o fato de ser tão tarde ajudou. Curti muito o silêncio.

Pela primeira vez, em certo instante, tive a sensação de que me aproximava de um verdadeiro estado de inconsciência. Digo, de me “desligar” de verdade. Infelizmente, se fosse para isso acontecer, eu só perceberia depois!

De qualquer modo, mesmo sem me livrar dos pensamentos por completo, senti o tempo todo a mente mais leve, mais relaxada. Estou no caminho certo, aprendendo a segui-lo com mais segurança, e isso é o que importa.

Tempo: 30 min.

28 de setembro de 2011

1ª sessão – Achei que não ia me concentrar muito nessa sessão, e foi assim mesmo. Entretanto, percebo que até em sessões mais “fracas” minha mente começa a revelar uma tendência à quietude. Pensamentos aparecem o tempo todo, mas com menos intensidade e de modo mais passageiro.

Ou talvez essa tendência seja impressão minha. Em todo caso, acredito que a prática trará progressos. Como não traria?

Tempo: 20 min.

2ª sessão – É tarde, e estou muito cansado! A essa altura, posso até deixar a mente quieta, mas não realmente concentrá-la no que quer que seja.

Alguns pensamentos “deram o ar da graça”, muito vagos e sumindo logo depois de aparecer. Como tem ocorrido nessas últimas sessões.

Interrompi um minuto antes do previsto.

Tempo: 19 min.

29 de setembro de 2011

1ª sessão – Bem cedo, e depois de uma noite maldormida. A sessão foi parecida com a última. Mente quieta (para não mencionar os “ruídos” comuns), porém avessa a uma concentração maior.

Esta, terminei quatro minutos antes.

Tempo: 16 min.

2ª sessão – Mais uma sessão lutando contra o sono. A cabeça pendeu para frente várias vezes. Não consegui aprofundar a concentração – apenas fiquei quieto, com a mente mais ou menos tranquila, apesar das imagens que surgiam o tempo todo. O importante é que não foi uma sessão ruim – ao contrário, terminei me sentindo bem.

Uma vez que a última postagem de cada mês, neste blog, é feita no dia 29, sempre haverá um ou dois dias em que não registrarei as sessões. Mas vou realizá-las de qualquer maneira. Não há motivo para interromper algo tão compensador.

Fiz um progresso inesperado nesses últimos dias. Ainda não aprendi a meditar de fato, mas está ficando cada vez mais fácil aquietar a mente. Ora, a quietude sempre tem coisas boas a ensinar, e ainda planejo ouvir muito as suas lições.

Tempo: 20 min.
~

Nota:

Imagem por tallpomlin

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Diário do aprendiz – 15 de setembro de 2011


Aprender a estar em silêncio

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VIII - Num Meio-Dia de Fim de Primavera

Num meio-dia de fim de primavera
Tive um sonho como uma fotografia.
Vi Jesus Cristo descer à terra.

Veio pela encosta de um monte
Tornado outra vez menino,
A correr e a rolar-se pela erva
E a arrancar flores para as deitar fora
E a rir de modo a ouvir-se de longe.

Tinha fugido do céu.
Era nosso demais para fingir
De segunda pessoa da Trindade.
No céu era tudo falso, tudo em desacordo
Com flores e árvores e pedras.
No céu tinha que estar sempre sério
E de vez em quando de se tornar outra vez homem
E subir para a cruz, e estar sempre a morrer
Com uma coroa toda à roda de espinhos
E os pés espetados por um prego com cabeça,
E até com um trapo à roda da cintura
Como os pretos nas ilustrações.
Nem sequer o deixavam ter pai e mãe
Como as outras crianças.
O seu pai era duas pessoas
Um velho chamado José, que era carpinteiro,
E que não era pai dele;
E o outro pai era uma pomba estúpida,
A única pomba feia do mundo
Porque não era do mundo nem era pomba.
E a sua mãe não tinha amado antes de o ter.
Não era mulher: era uma mala
Em que ele tinha vindo do céu.
E queriam que ele, que só nascera da mãe,
E nunca tivera pai para amar com respeito,
Pregasse a bondade e a justiça!

Um dia que Deus estava a dormir
E o Espírito Santo andava a voar,
Ele foi à caixa dos milagres e roubou três.
Com o primeiro fez que ninguém soubesse que ele tinha fugido.
Com o segundo criou-se eternamente humano e menino.
Com o terceiro criou um Cristo eternamente na cruz
E deixou-o pregado na cruz que há no céu
E serve de modelo às outras.
Depois fugiu para o sol
E desceu pelo primeiro raio que apanhou.

Hoje vive na minha aldeia comigo.
É uma criança bonita de riso e natural.
Limpa o nariz ao braço direito,
Chapinha nas poças de água,
Colhe as flores e gosta delas e esquece-as.
Atira pedras aos burros,
Rouba a fruta dos pomares
E foge a chorar e a gritar dos cães.
E, porque sabe que elas não gostam
E que toda a gente acha graça,
Corre atrás das raparigas
Que vão em ranchos pela estradas
com as bilhas às cabeças
E levanta-lhes as saias.

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as cousas.
Aponta-me todas as cousas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

Diz-me muito mal de Deus.
Diz que ele é um velho estúpido e doente,
Sempre a escarrar no chão
E a dizer indecências.
A Virgem Maria leva as tardes da eternidade a fazer meia.
E o Espírito Santo coça-se com o bico
E empoleira-se nas cadeiras e suja-as.
Tudo no céu é estúpido como a Igreja Católica.
Diz-me que Deus não percebe nada
Das coisas que criou —
"Se é que ele as criou, do que duvido".
"Ele diz, por exemplo, que os seres cantam a sua glória,
Mas os seres não cantam nada.
Se cantassem seriam cantores.
Os seres existem e mais nada,
E por isso se chamam seres."

E depois, cansado de dizer mal de Deus,
O Menino Jesus adormece nos meus braços
E eu levo-o ao colo para casa.

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Ele mora comigo na minha casa a meio do outeiro.
Ele é a Eterna Criança, o deus que faltava.
Ele é o humano que é natural,
Ele é o divino que sorri e que brinca.
E por isso é que eu sei com toda a certeza
Que ele é o Menino Jesus verdadeiro.

E a criança tão humana que é divina
É esta minha cotidiana vida de poeta,
E é porque ele anda sempre comigo que eu sou poeta sempre,
E que o meu mínimo olhar
Me enche de sensação,
E o mais pequeno som, seja do que for,
Parece falar comigo.

A Criança Nova que habita onde vivo
Dá-me uma mão a mim
E a outra a tudo que existe
E assim vamos os três pelo caminho que houver,
Saltando e cantando e rindo
E gozando o nosso segredo comum
Que é o de saber por toda a parte
Que não há mistério no mundo
E que tudo vale a pena.

A Criança Eterna acompanha-me sempre.
A direção do meu olhar é o seu dedo apontando.
O meu ouvido atento alegremente a todos os sons
São as cócegas que ele me faz, brincando, nas orelhas.

Damo-nos tão bem um com o outro
Na companhia de tudo
Que nunca pensamos um no outro,
Mas vivemos juntos e dois
Com um acordo íntimo
Como a mão direita e a esquerda.

Ao anoitecer brincamos as cinco pedrinhas
No degrau da porta de casa,
Graves como convém a um deus e a um poeta,
E como se cada pedra
Fosse todo um universo
E fosse por isso um grande perigo para ela
Deixá-la cair no chão.
Depois eu conto-lhe histórias das cousas só dos homens
E ele sorri, porque tudo é incrível.
Ri dos reis e dos que não são reis,
E tem pena de ouvir falar das guerras,
E dos comércios, e dos navios
Que ficam fumo no ar dos altos-mares.
Porque ele sabe que tudo isso falta àquela verdade
Que uma flor tem ao florescer
E que anda com a luz do sol
A variar os montes e os vales,
E a fazer doer nos olhos os muros caiados.

Depois ele adormece e eu deito-o.
Levo-o ao colo para dentro de casa
E deito-o, despindo-o lentamente
E como seguindo um ritual muito limpo
E todo materno até ele estar nu.

Ele dorme dentro da minha alma
E às vezes acorda de noite
E brinca com os meus sonhos.
Vira uns de pernas para o ar,
Põe uns em cima dos outros
E bate as palmas sozinho
Sorrindo para o meu sono.

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Quando eu morrer, filhinho,
Seja eu a criança, o mais pequeno.
Pega-me tu ao colo
E leva-me para dentro da tua casa.
Despe o meu ser cansado e humano
E deita-me na tua cama.
E conta-me histórias, caso eu acorde,
Para eu tornar a adormecer.
E dá-me sonhos teus para eu brincar
Até que nasça qualquer dia
Que tu sabes qual é.

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Esta é a história do meu Menino Jesus.
Por que razão que se perceba
Não há de ser ela mais verdadeira
Que tudo quanto os filósofos pensam
E tudo quanto as religiões ensinam?


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A realidade sempre será algo infinitamente mais complexo do que conseguimos imaginar. Mas, a vida precisa se tornar algo muito mais simples do que as ideias que temos a seu respeito.

Nota:

Imagem por kevindooley