quarta-feira, 29 de junho de 2011

Diário do aprendiz – 29 de junho de 2011


Contemplar os momentos como a um pôr de sol

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III - Ao Entardecer

Ao entardecer, debruçado pela janela,
E sabendo de soslaio que há campos em frente,
Leio até me arderem os olhos
O livro de Cesário Verde.

Que pena que tenho dele! Ele era um camponês
Que andava preso em liberdade pela cidade.
Mas o modo como olhava para as casas,
E o modo como reparava nas ruas,
E a maneira como dava pelas cousas,
É o de quem olha para árvores,
E de quem desce os olhos pela estrada por onde vai andando
E anda a reparar nas flores que há pelos campos...

Por isso ele tinha aquela grande tristeza
Que ele nunca disse bem que tinha,
Mas andava na cidade como quem anda no campo
E triste como esmagar flores em livros
E pôr plantas em jarros...


~

Todos estamos, em alguma medida, presos num lugar que não é bem a nossa casa, vivendo numa realidade que não é exatamente aquela que desejamos. Para muitos de nós, o extremo oposto é verdade, e isso parece converter a vida num constante luto, marcado pela sensação de perda. Há quem se acostume a viver com a perda, passando os seus dias como uma sombra, à maneira do poeta descrito acima. E há quem busque preencher o vazio, às vezes com sucesso, às vezes sem. Mas em ambos os casos o vazio permanece, tornando impossível ser feliz de fato.

Para superar o vazio, primeiro cumpre conviver com ele. Sem resignação e sem desejo de fuga. É preciso encontrar um núcleo de serenidade na mente, capaz de persistir apesar de tudo. A meditação é uma das melhores maneiras de empreender essa busca, pois ensina que em alguns momentos é possível achar algo muito mais valioso do que qualquer preenchimento externo. A meditação ensina que cada pessoa carrega um lar dentro de si, e que por isso nunca está perdida.

Muitas vezes essa consciência será esquecida ou não fará muita diferença - tamanha é a capacidade da ilusão de persistir e influenciar o comportamento humano. Mas isso ocorre devido à falta de costume de viver com a realidade. Cumpre voltar a ela, criar condições para que se manifeste e se enraize no íntimo. É o que faz quem medita diariamente.

E eu, meditei nesses últimos dias? Só em alguns.

Nota:

Imagem do documentário No journey´s end [Viagem sem fim], de 2006.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Diário do aprendiz - 15 de junho de 2011


Sentir o coração quente como o fogo

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II - O Meu Olhar

O meu olhar é nítido como um girassol.
Tenho o costume de andar pelas estradas
Olhando para a direita e para a esquerda,
E de vez em quando olhando para trás...
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo...

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender...
O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...

Eu não tenho filosofia: tenho sentidos...
Se falo na Natureza não é porque saiba o que ela é,
Mas porque a amo, e amo-a por isso,
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe por que ama, nem o que é amar...

Amar é a eterna inocência,
E a única inocência é não pensar...


~

Nestes últimos dias, consegui me manter mais fiel ao plano de meditar, embora tenha perdido algumas sessões. É incrível, mas sempre parece haver alguma coisa mais urgente do que a meditação. Mas isso revela uma coisa: a ilusão predominante na vida, em que os problemas sempre tentam se impor à tranquilidade, mostrando-se como uma realidade dominante, a qual só nos restaria aceitar... De certa forma, a dificuldade em “encontrar tempo” para meditar constitui um pequeno “laboratório” onde é possível confrontar o desafio. Nestes dias, apesar da constante tentação de descumprir o plano, insisti e realizei várias sessões muito recompensadoras. A ponto de, no final de cada uma, sempre me fazer esta pergunta: como posso ter coragem de passar um único dia sem meditar?

Isto não significa que aprendi a meditar. Não, estou longe disso. A meditação só se consuma com aquele mergulho num estado de autoesquecimento. Já experimentei esse estado, algumas vezes (qualquer pessoa que já tenha meditado conseguiu fazê-lo, ao menos por um instante). Mas alcançar esse estado é tão raro! O que faço, na maioria das vezes, é esforçar-me para manter a concentração, enquanto a mente insiste em pensar. Em qualquer bobagem – às vezes, penso até que seria bom interromper a meditação para fazer outra coisa. Um absurdo, mas a desatenção parece ser própria da mente.

Nada disso é bastante para desencorajar, porém. Mesmo imperfeita, a meditação proporciona bons resultados. Ainda que a mente não se esvazie por completo, o simples fato de “desacelerar” por alguns minutos (meia hora, no meu caso) é muito bom. Por isso, continuarei meditando – não estou disposto a ceder às ilusões.

Nota:

Imagem do documentário No journey´s end [Viagem sem fim], de 2006.